Estilos do BJCP classificados por história: Wheat Beer - Weissbier
Olá! Seguimos os estudos e hoje com um dos queridinhos de muita gente. Mas, primeiro vamos introduzir a categoria. Na classificação de estilos por história, temos a categoria "Wheat Beer". "Wheat" em inglês significa trigo, e aqui vamos ter estilos com esse ingrediente como característica marcante. Como já falamos, a maioria das cervejas é feita com malte de cevada, porém, nos estilos dessa categoria a porcentagem de trigo é algumas vezes até superior a de cevada. E estamos falando dos seguintes estilos: "Weissbier", "Dunkless Weissbier", "Weizenbock", "Witbier" e "American Wheat Beer". Como ainda são cinco estilos, e consigo encontrar às vezes até três representantes de cada um, optei por analisar estilo por estilo.
Como podem ver no título, hoje vamos iniciar a explorar esses estilos pelo estilo "Weissbier", ou apenas "Weiss" para os mais íntimos. Eu diria que hoje dificilmente bebo uma "Weiss", mas também já tive a minha fase. Talvez esse seja um estilo clássico de transição para o mundo da cerveja fora das Lagers de supermercado. Me deixem só filosofar um pouco sobre o porquê. Muita gente que gosta de Lagers de supermercado dificilmente se aventura em outros estilos porque tem um amigo chato como eu, que vai fazer eles experimentarem uma "India Pale Ale", a famosa IPA. Ainda não falamos sobre elas, mas são um estilo com um amargor muito marcado, e que assusta o paladar de quem está acostumado com as Lagers de Supermercado. Uma vez assustados, esses consumidores dificilmente darão o braço a torcer quando alguém lhe sugerir experimentar uma cerveja diferente. Por outro lado, se oferecermos uma "Weiss", a experiência pode ser diferente. Quando falamos de uma boa "Weiss", falamos de uma cerveja com amargor baixo, equilibrada e com toda uma sensação de preenchimento de boca e cremosidade singular. Assim, é mais fácil de conquistar um novo paladar com elas do que com uma IPA. Ainda, estamos falando de um estilo clássico da escola alemã, e que graças a internacionalização de marcas como Paulaner, Erdinger, Franziskaner e outras, conseguimos encontrar em diversos lugares do mundo. Esse pacote, uma cerveja fácil de ser bebida e disponível em muitos lugares, tornou o estilo "Weiss" um dos mais populares do mundo.
Logo que mudei para Lisboa, em 2014, demorei um tempo a encontrar um bar que tivesse cerveja diferentes das comerciais portuguesas. Porém, um pouco mais de um mês após a minha chegada (para mim, isso é demorar haha) tive a felicidade de encontrar a finada Cerveteca da Praça das Flores (calma, a Cerveteca segue viva na Avenida de Paris, vale muito a visita!). E graças aos registros telefônicos, pude comprovar que a primeira cerveja que escolhi beber foi uma "Weiss". Mas não qualquer "Weiss", foi uma "Weihenstephaner Heffe Weissbier" diretamente do barril, no copo da marca como manda o figurino🤤. Quando eu falo que hoje já não bebo "Weiss", tem muito a ver com a minha vontade de experimentar coisas novas, e algumas decepções encontradas no mundo mais "craft". Um estilo clássico não ganha o seu prestígio da noite para o dia. Ele foi aprimorado e atingiu o seu status por mérito. Por isso, quando experimentava "Weissbiers" mais artesanais frequentemente me deparava com dulçor exagerado, enjoativo, que dificultavam até terminar um único copo. Mas, essa sessão me lembrou a exuberância e o sabor que clássicos desse estilo podem conter.
Antes de começar, vamos lá a alguns fatos históricos e curiosidades desse estilo. Historicamente, as cervejas produzidas pelo Sumérios na Mesopotâmia (3400 a.c.) já utilizavam grãos dos predecessores do nosso trigo moderno. Bem como, no Código de Hammurabi (1700 a.c.) existem instruções específicas para produção e o serviço (de servir mesmo 😉) de cervejas de trigo. Como podem ver, a utilização de grãos de trigo faz parte da história cervejeira. Mas embora os alemães tenham refinado e popularizado o que hoje conhecemos como "Weissbier", a origem parece ter vindo da região da Boemia entre o séculos XVII e XVIII. A produção desse tipo de cerveja acabou por chegar aos vizinhos Bávaros, mas foi afetada pela lei da pureza alemã (Reinheitsgebot - 1516). A lei da pureza estabelecia que apenas malte de cevada pudesse ser utilizado, numa perspectiva de que cada grão devia ser utilizado para um fim. O trigo ficaria para o pão. Porém, mais tarde, foi permitido um monopólio de produção de cervejas de trigo, muito ainda na perspectiva de limitar a utilização de grãos de trigo para este fim. Problema é que o monopólio da família Degenberg deu tão certo, que os duques governantes ficaram com ciúmes dos lucros. Quando finalmente recuperaram o monopólio para o governo, o consumo de "Weissbier" já começava a ser ofuscado pelas Lagers. Logo, começaram novamente a vender permissões de produção para cervejarias e mosteiros. Apenas por volta de 1950 é que esse estilo ganhou novamente popularidade, e desde então conquistou uma legião de fãs espalhados pelo mundo. Por fim, como os alemães levam a cerveja muito a sério, está determinado por lei que para uma cerveja se chamar "Weissbier" (ou "Hefeweizen", ou "Weizenbier") elas tem que conter pelo menos 50% de trigo maltado na receita.
Voltamos a avaliação de hoje e como vocês sabem, estou tentando avaliar apenas exemplos clássicos do BJCP. E aqui, encontrei além da Weihenstephaner que já mencionei, a "Ayinger Bräuweisse" e a "Schneider Weisse Original". E aqui começam as surpresas. No próprio guia do BJCP, a "Schneider Weisse" é citada como a primeira a produzir esse estilo, mas numa cor mais âmbar e não no clássico amarelo/dourado que conhecemos hoje (foto abaixo). Fiquei ainda mais interessado nela, mas infelizmente foi a pior amostra que avaliei nesse dia. Pelo que li na internet sobre suas características, imagino que a garrafa que chegou até mim tinha algum problema. Embora a validade ainda iria até Julho do ano que vem (geralmente tem um ano de validade, ou seja, ela teria sido engarrafada em Julho de 2024. Eu bebi em 20 de Novembro, cerca de 5 meses após o envase), a cerveja apresentou uma formação de espuma muito reduzida e de baixa persistência, o que seria uma falha grave para o estilo. Ainda, no aroma, ela também não apresentava características de um estilo que é bem clássico e que já vou mencionar abaixo. Tudo isso para dizer que vou omitir a análise da Schneider Weisse, uma vez que a amostra não parecia fazer jus ao rótulo. Vou ter que ir a Alemanha e beber direto da fonte para não ter erro 🫠
Portanto, essa avaliação vai ser focada apenas nas amostras da Weihenstephaner e da Ayinger. E o que nos diz o BJCP? Que são cervejas de trigo alemãs claras, refrescantes e com baixa lupulagem. Na verdade aqui quem brilha é a levedura. E tanto no sabor como no aroma, devemos facilmente encontrar os ésteres frutados de banana e o perfil fenólico do cravo/cravinho típico da levedura "weizen". Começando pela "Weihenstephaner Heffe Weissbier", na aparência se apresentou com um dourado mais intenso ligeiramente turvo e com um lindo colarinho branco (espumoso, formação media e retenção longa). A turbidez é considerada aceitável nesse estilo e uma característica associada a essa levedura e ao uso do malte de trigo, portanto tudo perfeito. No aroma, ela trouxe as notas dos ésteres de banana logo em primeiro plano, com média intensidade. O perfil fenólico do cravo estava em segundo plano, médio para baixa intensidade e ainda se misturava com aroma de lúpulo condimentado muito leve. Além disso, quando agitamos ligeiramente o copo, captamos notas de cereal e massa de pão típicas do malte. O BJCP considera a presença do lúpulo no aroma como opcional, portanto está dentro do preconizado, apenas o cravo que poderia estar ligeiramente mais forte no aroma para atingir a intensidade média que o estilo pede. No sabor, a banana e o cravo apareciam ainda mais forte que no aroma, mas com grande equilíbrio a contrastar com o amargor de muito baixa intensidade do lúpulo condimentado, e que ainda deixa espaço para um delicado dulçor de cereal também de baixa intensidade. A sensação de boca é cremosa e aveludada, com um corpo médio. A carbonatação alta trás uma certa efervescência que ajuda na sensação de frescor. A impressão geral dessa avaliação foi melhor que o esperado. Uma cerveja que me fez lembrar porque eu gostava de "Weiss" e porque elas foram tão úteis nos tempos idos em que comecei a me aventurar com cervejas diferentes. Apresenta camadas diferentes de sabor, mas com um grande equilíbrio, conseguindo ser cremosa, de corpo médio e ainda assim refrescante. Os toques frutados da levedura dialogam muito bem com a base rica do trigo, e a carbonatação torna toda a experiência uma festa na língua. Ah… quero outra!
Mas não agora, primeiro vamos a Ayinger. Essa cerveja já tinha um tom amarelo um pouco mais claro e também se apresentou turva. O colarinho era médio para alto em formação e com longa retenção, muito cremoso. No aroma, acabei por identificar mais facilmente o caráter de cereal do malte, mas, com o tempo os ésteres de banana e o perfil fenólico de cravo/cravinho se tornaram aparentes, ainda assim numa intensidade considerada abaixo do preconizado para o estilo. Não detectei qualquer aroma de lúpulo, mas como já mencionei é considerado opcional esse estilo. Na boca, semelhante ao aroma, o sabor de grão cru de malte era mais perceptível que a banana e o cravo/cravinho da levedura, o que teria que considerar uma falha de estilo. Dessa forma, o equilíbrio tende a ser mais doce, e acaba por ser reforçado pela baixíssima presença de amargor do lúpulo. A sensação de boca era de um corpo médio com alta carbonatação. E, novamente, uma cremosidade era atingida pela harmonia do trigo com a efervescência da carbonatação. Resumindo, essa amostra apresentou algumas falhas de estilo mais evidentes, uma vez que a característica principal (banana e cravo/cravinho) encontrava se em segundo plano. Porém, ainda tinha um certo equilíbrio e era fácil de beber.
Depois dessa descrição, nem preciso dizer que a primeira cerveja se adequava mais ao proposto pelo guia de estilos do BJCP para uma "Weissbier". Foi uma sessão muito interessante e gostosa. Para completar, nesse dia preparei uma prato "mais alemão" e essas cervejas acabaram por acompanhar um belo jantar temático. Fiz umas salsichas com repolho/couve roxo(a), e uma salada de batatas com maionese. Ninguém precisa saber que as salsichas eram gregas hahaha meros detalhes! Logo continuaremos a avaliação dessa categoria com as "Dunkles Weissbier", que já deixando um "spoiler", são a versão mais escura das "Weissbier". Prost! 🍻