Estilos do BJCP classificados por história: Mass Market Lager

Olá! Continuando os estudos sobre os estilos do BJCP, hoje vamos falar um pouco sobre as "Mass Market Lager". Conforme o nome sugere, seriam as cervejas vendidas em grande quantidade, nas grandes superfícies de supermercados. Na verdade, elas devem ser encontradas praticamente em qualquer lugar, e por isso são as cervejas mais vendidas no mundo. Só para citar alguns exemplos, estamos falando de Budweiser (e Bud Light), Coors (e Coors Light), Heinekein e Corona Extra. E nessa categoria temos os seguintes estilos do BJCP: "American Light Lager", "American Lager", e “International Pale Lager”. Não encontrei nenhuma "American Light Lager" (oh que pena haha também não procurei tanto assim) e por isso vou usar a experiência com a "American Lager" para transpor o conhecimento. São estilos semelhantes, mas as "American Light Lager" como o nome indica, são mais leves e portanto apresentam características equivalentes mas em intensidade menor.

E se quando falamos das "American Lagers", a Budweiser foi uma das responsáveis, se não a grande responsável pelo crescimento e adoção do estilo, nas "American Light Lagers" esse papel foi iniciado pela Miller Brewing Company. A cervejaria comprou uma receita que já se encontrava no mercado (Meister Brau Lite), mas usou e abusou do rebranding para catapultar as vendas desse estilo de cerveja sob o rótulo "Lite". A aposta da marca foi associar sua cerveja a celebridades masculinas de esportes com o slogan “Tastes great… less filing!”. Em Portugal seria algo como "Sabe bem e não pesa!", e no Brasil poderia ser algo como "Ótimo gosto, sem pesar!". A verdade é que resultou e enquanto o lançamento nacional da marca ocorreu em 1975, a competição pesada da Bud Light só foi aparecer em 1982. Fato é que, no mesmo ano, as duas marcas transformaram as "American Light Lagers" nas cervejas mais vendidas do mercado americano, e desde então, nunca mais perderam esse espaço. Se as "American Lagers" já apresentam corpo leve e sabores subtis, nas "American Light Lagers" esperamos não encontrar qualquer percepção de sabor que ultrapasse a baixa ou muito baixa intensidade. Nos dois estilos, a carbonatação e o fato de ser consumida muito gelada/fresca é que as torna nas queridinhas das massas. Ainda, no caso das "American Light Lagers", o baixo teor alcoólico e a baixa quantidade de calorias atende o apelo de um público mais preocupado com a dieta e o estilo de vida saudável.

Voltando as "American Lagers" e as "International Pale Lager", nessa sessão avaliei a Budweiser ("American Lager"), a Birra Moretti e a Heinekein ("International Pale Lager"). O interessante de avaliar essa cervejas do ponto de vista histórico, é que embora Budweiser e Heinekein sejam mais conhecidas mundialmente, a Birra Moretti é que foi a primeira a surgir no mercado, em 1859. A Heinekein aparece em 1873 e a Budweiser três anos depois. O marketing e a capacidade de expandir para novos mercados é que foi determinante para o sucesso ou não de cada uma das marcas. Podemos especular sobre o efeito moral dos pós-guerras, consolidando os Estados Unidos como potência mundial. Suas marcas também passaram a ser fonte de cobiça mundial, e muitas delas estavam prontas para competir nos mercados de além-mar. Porém, o surgimento de marcas como Birra Moretti e Heinekein na Europa também ressalta a mudança de paradigma do mercado cervejeiro que passou a procurar por cervejas mais leves e claras nesse período (1850-1880). Dessa forma, podemos dizer que a Budweiser foi porta-voz e responsável pela expansão do consumo de Lagers nos Estados Unidos, mas a tendência de mercado não se observava apenas naquela Geografia.  

Antes de começar com a avaliação específica dessas amostras, convém ressaltar que a principal diferença entre esses dois estilos é que, como vimos nesse post, as "American Lager" introduziram a utilização de adjuntos como milho, arroz e outros grãos não maltados. Desta forma, o sabor e aroma de malte costuma ser mais subtil, e para alcançar um bom equilíbrio, o perfil de lupulagem e amargor também. O guia de estilos do BJCP usa expressões como "opcional" e “de baixo a ausente” para descrever algumas de suas características sensoriais.  Já as "International Pale Lager” costumam ser produzidas apenas com grãos maltados, apresentando assim sabor e aroma de malte um pouco mais intensos e que da mesma forma, pedem uma maior intensidade de lúpulo para equilibrar a cerveja. Diferenças a parte, as demais características são muito semelhantes. Ambas são cervejas claras, de corpo leve, bem atenuadas e altamente carbonatadas.

Começando então com a Budweiser, observamos uma cor palha, completamente translúcida. O colarinho se formou branco e de tamanho médio, mas desapareceu rapidamente. No aroma, realmente pouco se detecta. Um perfil de lúpulo condimentado e herbal de baixa intensidade até aparece. Já no malte, senti algum dulçor de cereal logo que servi no copo, mas desapareceu rápido. Na boca, o sabor é muito neutro, e aqui o dulçor de cereal do malte é mais óbvio, e o amargor do lúpulo é muito baixo. Dessa forma, o retrogosto permanece com o dulçor de cereal e o final é seco e bem definido. Na sensação de boca temos o corpo leve e um certo picante na língua proporcionado pela alta carbonatação. Embora essa degustação tenha sido bem desinteressante, as características degustadas estão completamente dentro dos descritores do estilo do BJCP. Teria que avaliá-la com uma boa nota. Mas depois de ler um pouco sobre a história da Budweiser, até pensava que ia sentir outro gosto na prova. Infelizmente, é o que é haha. Outro detalhe interessante é reparar no rótulo que realmente só diz “Bud”, conforme também contei no post que mencionei acima, a Budweiser não tem os direitos de utilização do nome Budweiser na maior parte da Europa.

International Pale Lager

De seguida, avaliei a Birra Morreti. Uma cerveja límpida que já tem uma cor mais puxada para o dourado, com o colarinho branco de tamanho e retenção média, tudo dentro do estilo “International Pale Lager”. No aroma percebemos o lúpulo em baixa intensidade de caráter floral/herbal e o malte em segundo plano como massa de pão. No sabor, o malte aparece com um dulçor tipo bolacha água e sal de baixa intensidade. O lúpulo se apresenta num amargor gramíneo de baixa para média intensidade. A cerveja tem um equilíbrio muito bem conseguido, puxando levemente para o lúpulo, e com um final seco e bem definido. A sensação de boca é de um corpo leve puxando para médio. Percebe-se a alta carbonatação mas sem o picante da língua. A impressão geral é de uma boa cerveja que trás um dulçor baixo e delicado e que sustenta muito bem o prazeroso amargor. A carbonatação funciona bem para amplificar a sensação de frescor iniciada pelo perfil do lúpulo. Não encontrei nenhuma falha e diria que se adequa bastante ao estilo "International Pale Lager". 

Por fim, temos a Heinekein. Como podem ver na imagem, optei pela versão em lata para evitar qualquer efeito da luz que pode ocorrer nas famosas garrafas verdes. Embora haja quem diga que a própria Heinekein já conta com um aroma de gambá no seu perfil sensorial, o BJCP considera uma falha de estilo. Assim, com a lata minimizamos a possibilidade de termos esse problema. Mas se vocês gostam do cheirinho de gambá, fiquem a vontade e optem pelas garrafas, gosto é regalo da vida! Mas vamos a avaliação. É uma cerveja que também apresentou uma linda cor dourada e um colarinho grande e cremoso com longa retenção. Parecia estar se coroando como a rainha dessa sessão de degustação! No aroma, encontrei um malte de baixa intensidade tipo massa de pão e um lúpulo herbal e condimentado, de baixa para média intensidade mas refrescante e trazendo notas de grama e pimenta branca. Na boca, um dulçor de malte muito residual lembrando cereais e um amargor médio semelhante ao encontrado no aroma. O equilíbrio é bastante bom e ressalta o lúpulo com uma ligeira permanência do amargor no retrogosto, com final seco e bem definido. A sensação de boca trouxe um corpo médio e a carbonatação mostrou-se alta, com um leve picante na língua. Por fim, a impressão geral dessa prova foi sensacional. O malte muito em segundo plano, apenas para dar o suporte necessário para o lúpulo brilhar, tanto no aroma quanto na boca com o amargor. A carbonatação trouxe uma maior sensação de frescor, complementando muito bem o perfil sensorial da cerveja, que vai de encontro ao proposto pelo estilo. Não sei se pelo efeito comparativo, ou se por também estar algum tempo sem degustar uma Heinekein, esse me pareceu um dos melhores exemplares que já bebi. Foi pena não ter mais umas na geladeira/frigorífico! E isso que aqui já faz inverno, nem seria o melhor estilo de cerveja para a temperatura que fazia. 

Para concluir, essa é uma sessão fácil de ser reproduzia por vocês em casa, uma vez que são cervejas encontradas em muitos países. Talvez a Birra Moretti não seja tanto, mas poderia também ser substituída por outro exemplar europeu (Amstel? Stella Artois?) e de repente incluir uma Corona, para ter duas de cada escola. O que vocês devem procurar é essa diferença entre a escola americana e europeia de lagers de supermercado. Enquanto as europeias estavam mais próximas geograficamente das Pislners da Boemia, elas costumam trazer mais o equilíbrio para o lado do lúpulo herbal, floral ou condimentado. Já as “American Lagers” e mesmo uma “International Pale Lager” como a Corona, vai ter um equilíbrio maior entre malte/lúpulo, e a carbonatação e o fato de serem bebidas muito geladas/frescas é que vai elevar a experiência. Encerrada a avaliação das "Mass Market Lagers", agora devemos passar para outra categoria. A categoria seguinte seria a "European Pale Lager", mas como referi, o inverno chegou forte por aqui e provavelmente vou passar para algum estilo mais de inverno. E claro, antes disso vou fazer uma publicação sobre o meu "ser" sazonal no que diz respeito a beber cerveja! Se cuidem e até a próxima!  

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