Estilos do BJCP classificados por história: Irish Stout - Irish Stout

Olá, como estamos!?

Com a chegada do frio no Norte da Grécia, eu disse que ia optar por estilos mais "inverneiros". E assim, comecei a brincadeira com as "Irish Stouts". E até vai parecer que me enganei no titulo, mas é isso mesmo. Temos a categoria "Irish Stout" que compreende os estilos "Foreign Extra Stout", "Irish Extra Stout" e, mais especificamente o estilo "Irish Stout". Já comentei sobre as cervejas "Stout" na sua generalidade em uma publicação do insta. Então recapitulando, o termo "stout" em inglês na verdade quer dizer robusto, forte, corpulento. Por isso, poderia ter sido associado a qualquer estilo que tivesse essas características. Mas, quis o destino, que o termo "Stout" fosse muito utilizado na Inglaterra para descrever uma cerveja "Porter" mais encorpada. O estilo "Porter" surgiu no início dos anos 1700, e seu nome vem da popularidade que esse tipo de cerveja tinha com estivadores e trabalhadores do porto de Londres. É um estilo que evoluiu dentro da própria Inglaterra com o tempo, e também deu origem a outros estilos regionais como as "American Porters" e as "Baltic Porter". Porém, vamos guardar mais detalhes para quando formos estudar a categoria "Porter" mais para frente. Por enquanto, o que precisamos saber é que as "Porters" eram cervejas  mais escuras (mais marrom/castanho do que preto), mas que acabavam por ter um corpo mais leve ou até médio, mais fáceis de beber. As "Stout Porters" começaram a aparecer com um corpo mais cheio e uma certa cremosidade que as diferenciava das "Porters" originais. Com o tempo, apenas "Stout" foi adotado para descrever essa variação de estilo. E logo ali ao lado da Inglaterra, na Irlanda, é que as "Stouts" foram popularizadas e por isso o termo "Irish Stout", ou seja, "Stout" irlandesa ou da Irlanda.

Quando falamos da popularização das "Stouts", temos que falar da Guinness. Não vou contar toda a história, mas sim, quando pensamos em cerveja escura, quase todos nós lembramos dessa marca e daquele copo maravilhoso servido diretamente da torneira com seu efeito cascata reversa culminando naquela espuma cremosa e aveludada. A Guinness foi fundada em 1759 e além de nos oferecer boa cerveja também contribuiu para alguns desenvolvimentos da indústria cervejeira. Foi dentro da Guinness que as primeiras cervejas carbonatadas com nitrogênio foram criadas, trazendo uma textura e cremosidade incomparável que abriu portas para novos mercados. E a contribuição da Guinness não se restringiu a indústria cervejeira, foram responsáveis também pela criação do Teste "t" ("Student T test"), um dos testes mais utilizados em estatística e que foi desenvolvido para melhorar o controle de qualidade da produção cervejeira da Guinness. Ainda, por mais bizarro que pareça, foram também responsáveis pela criação do famoso "Guinness World Records", essa compilação aleatória de recordes que quase todo mundo conhece. Duvido que quando vocês diziam "vou entrar para o Guinness", vocês sabiam que foi uma cerveja que o inventou? Enfim, como nem toda "Irish Stout" é uma Guinness, vamos guardar as histórias da Guinness para outra oportunidade.

Essa foi uma degustação bem variada, onde consegui encontrar três exemplos comerciais do BJCP. E as cervejas avaliadas foram as seguintes:

  • Guinness Draught

  • O’Hara’s Irish Stout

  • Murphy’s Irish Stout

Todas essas em versões de lata com o dispositivo de nitrogênio. Para efeito de comparação, também avaliei uma "Guiness Draught" de garrafa, e portanto sem o dispositivo de nitrogênio. Eu sou fã desse estilo não é de hoje, e poder encontrar essa variedade de amostras para avaliar e depois degustar fez o meu dia mais feliz.

E o que diz o BJCP sobre as "Irish Stouts"?

O BJCP descreve as "Irish Stout" como uma cerveja preta com um torrado pronunciado, geralmente semelhante ao café. Elas podem ser equilibradas ou bastante amargas. As mais equilibradas vão trazer mais um dulçor de malte, enquanto as mais amargas vão ser mais secas. Assim, o sabor torrado pode variar do seco e mais semelhante a café até um gosto mais de chocolate amargo/negro. E realmente, com essas três amostras podemos comprovar essa diversidade. Há quem diga que dentro da Irlanda a intepretação da região de Dublin é mais amarga e seca, enquanto a região de Cork costuma produzir as versões mais equilibradas. 

Guinness Draught

Hoje vamos começar com a aparência, porque o efeito visual do serviço dessas latas com o dispositivo de nitrogênio é realmente impressionante. Segundo o BJCP, a cor deve ir de um marrom/castanho profundo ao muito preto, com reflexos de tom granada. São cervejas opacas com um colarinho que vai do bronze ao marrom/castanho, e é espesso, cremoso e de longa duração quando servidos com nitrogênio. Claro, vimos tudo isso na "Guinness Draught" e aquele lindo efeito cascata reversa que torna a formação da espuma ainda mais impressionante, e nos deixa ali maravilhados esperando até que termine. Para o aroma, o BJCP descreve que o tostado que remete a café predomina em intensidade média, mas que pode ter notas de chocolate/negro, cacau ou grãos tostados em segundo plano. Os ésteres de fermentação (de baixa a média intensidade) e o aroma de lúpulo terroso ou herbal (baixa intensidade) são opcionais. Na amostra de "Guinness Draught" avaliada realmente o torrado do malte semelhante a café era praticamente a única coisa que se sentia no aroma. Um dulçor muito baixo remetendo a chocolate aparecia em segundo plano. Mas, não se notava nenhum aroma de ésteres de fermentação ou de lúpulo. 

Na boca, o BJCP descreve a dualidade referida no início. Então podemos ter o malte tostado como café e um final seco, ou podemos ter algum dulçor de malte e um final mais equilibrado. Ainda, o equilibrio pode ser trazido pela cremosidade, por um frutado de intensidade média-baixa ou por um sabor de lúpulo médio. Ou seja, existe um certo espaço para interpretação dos cervejeiros. Mas na nossa amostra de "Guinness Draught", assim como no aroma, o café veio ao de cima. O sabor remetia realmente a um café expresso de média-alta intensidade. Notas de cacau de baixa intensidade ainda eram percebidas em segundo plano, mas eram logo ofuscadas pelo amargor de grãos tostados, trazendo um final seco e bem definido.

Na sensação de boca o BJCP descreve as "Irish Stout" com um corpo que pode ser de médio-leve a médio-cheio. Especialmente nas versões com nitro, se espera uma cremosidade. A carbonatação pode ser de baixa a média. E apesar de ter versões com muito lúpulo de amargor e grãos tostados, são cervejas que impressionam pela suavidade. Uma leve adstringência também é aceitável pela quantidade de grãos torrados, mas qualquer aspereza é considerada uma falha de estilo.

Nessa "Guinness Draught" encontramos um corpo médio-leve e uma certa textura cremosa do nitrogênio. Ainda, a carbonatação era média-baixa e uma leve adstringência podia sim ser sentida. Porém, a impressão geral é espetacular. É uma amostra que aposta mais no perfil do malte remetendo a café e consegue entregar uma "drinkability" muito alta. Seja pelo final seco, seja pela cremosidade, tudo contribui para o equilíbrio no copo e o sucesso que a Guinness conquistou mundo a fora. 

O’Hara’s Irish Stout

Sendo também uma lata com dispositivo de nitrogênio, o efeito cascata reversa no serviço também foi observado, mas muito menos duradouro do que o observado na "Guinness Draught". Digo isso apenas a nível de curiosidade, uma vez que o BJCP não faz qualquer referência a esse aspecto. Porém, a aparência pareceu bastante adequada ao estilo, uma cerveja preta, opaca e com um colarinho cremoso generoso de cor bege mais escura. No aroma, notas de cereais tostados apareciam com intensidade baixa. E um aroma mais agudo que remetia a uma torra muito prolongada, quase queimada predominava, fugindo um pouco do que o BJCP preconiza para o estilo (notas queimadas não são aceitas em nenhum estilo).

No sabor era mais nítida uma semelhança com gosto de café de média-alta intensidade, porém novamente, um sabor de grãos muito tostados e não necessariamente agradável. O equilíbrio era totalmente virado para esse amargor quase queimado, e ao menos o final era seco e bem definido.

A sensação de boca trazia um corpo médio e uma certa sensação sedosa. A carbonatação era baixa e a adstringência média. Sendo assim, a impressão geral é de uma boa cerveja mas com algumas falhas de estilo. O aroma e sabor de grãos que remete mais ao queimado do que ao tostado deveria ser evitado, e isso pode facilmente ser corrigido com uma revisão na quantidade de grãos tostados utilizados na receita.

Todos temos tolerância diferentes a esses sabores, e talvez os amantes da O’hara’s prefiram as suas "Irish Stouts" assim. Ainda, foi apenas uma amostra, não posso assumir que a cerveja seja sempre assim. Assim que der, vou dar outra oportunidade para essa cerveja, o ideal seria encontrá-la em barril. 

Murphy’s Irish Stout

Por último, temos a "Murphy’s Irish Stout". Nessa cerveja o efeito cascata é ainda mais curto, quase nem se notou. Mesmo assim, a cerveja apresentou uma cor preta e opaca. O colarinho também era alto, talvez não tão cremoso quanto as outras duas, mas de coloração bege, tal como manda o figurino, ou melhor o BJCP. No aroma percebemos que essa é uma variante mais equilibrada de "Irish Stout". Foi possível detectar notas de caramelo, toffee e casca de pão em baixa intensidade. E em média intensidade os aromas de cereais tostados que remetem a café. Ainda, um aroma de lúpulo terroso em baixa intensidade também se fez presente.

No sabor percebemos justamente um certo dulçor de malte que remete ao caramelo em baixa intensidade e depois os sabores dos grãos mais tostados em intensidade média. Além de café remete a chocolate amargo/negro. O amargor é baixo a moderado e remete novamente a cereais tostados. Essa amostra apresentou um equilíbrio notável, sendo que o final traz primeiro o sabor de chocolate e depois suavemente deixa um retrogosto de café.

Na sensação de boca temos uma textura sedosa e um corpo médio. A carbonatação era moderadamente baixa e uma adstringência muito leve também era perceptível, porém agradável. A impressão geral dessa amostra foi espetacular. Pensava eu que a "Guinness Draught" era a rainha das "Irish Stout", mas nessa comparação, o equilíbrio da "Murphy’s Irish Stout" agradou muito mais ao meu paladar. Essa viagem do caramelo, passando pelo chocolate e chegando nos sabores tostados de café é realmente impressionante. E de acordo com o BJCP, qualquer uma delas seria um bom exemplo do estilo.

Aqui é mesmo o meu paladar que gostou mais, talvez por não ter experimentado antes, essa versão mais equilibrada. Não se preocupem, a "Guinness Draught" vai ter sempre um lugar no meu coração. 

Por fim, queria só fazer um comentário sobre a "Guinness Draught" que encontrei na versão de garrafa. Como já referi, sem o dispositivo de nitrogênio seria expectável até uma menor percepção de corpo, um colarinho não tão generoso, entre outros aspectos. Mas confesso que nem parecem a mesma cerveja. Essa versão em garrafa apresentou uma carbonatação muito alta para o estilo, talvez numa tentativa de formar algum colarinho e aumentar a percepção de corpo. Mas a ciência do colarinho é muito mais complexa que isso, formação e retenção de espuma é uma arte. Ela até parece uma versão mais equilibrada também, com notas de chocolate amargo/negro mais perceptíveis e as notas de café mais reprimidas. Mas confesso que a carbonatação arruinou a cerveja, na minha humilde opinião. Uma certa efervescência que nem é compatível com o estilo e nem acrescenta algum equilíbrio, textura ou sensação de boca que a justifique. Enfim, vou lembrar de só comprar "Guinness Draught" em lata. Mas, esse sou eu, talvez vocês curtam essa experiência sensorial.

E assim terminamos esse grande relato. Com certeza uma prova que me deu muito gosto, e que me fez salivar novamente hoje quando estou transcrevendo as sensações para essa publicação. Principalmente no inverno, esse é um estilo de cerveja que me agrada muito, parece que refresca a mente e aquece o coração. ❤️ No próximo post, devemos dar por encerrada essa categoria com a descrição dos outros dois estilos que faltam. Um deles eu já encontrei, o outro ainda estou procurando. Se não encontrar, vamos ter que nos contentar com a descrição teórica. É assim a vida… até a próxima! (queria muito um emoji de cerveja preta para por aqui 😂) 

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