Como o “Boni cervejeiro” pode ajudar o “Boni aspirante a juiz”?
Buenas! Então vamos lá falar um pouco sobre o gostar de fazer cerveja e como isso pode ser útil na jornada para me tornar um juiz certificado do BJCP. Eu comecei a fazer cerveja regularmente em Janeiro de 2019, tipo promessa de fim de ano mesmo. Até já tinha me aventurado em produções antes, mas muito esporádicas. Então, final de 2018, encontro um kit para fazer cerveja à venda, com um preço bastante interessante, e acabei por não resistir ao apelo Natalício. Ainda por cima, a cerveja que vinha com o kit era uma Black IPA, um dos meus estilos favoritos. Mas esse começo foi muito embrionário. O kit fazia um “galloon”, que são cerca de 3,8 litros. Como o processo de fazer cerveja leva mais ou menos um mês, acontecia sempre de acabar a cerveja que tinha feito e a nova ainda não estar pronta. Sacanagem! haha gradualmente fui amadurecendo a ideia de aumentar o volume de produção. Comprei primeiro um fermentador de fundo cônico em inox (20L). Aí as panelas da cozinha já não tinham espaço para tanto líquido (cheguei a fazer em duas haha), e acabei comprando também uma panela elétrica de 27L. Para completar, a panela não funcionou, e o vendedor me deixou na mão. Me fez gravar vídeos para mostrar que não funcionava e depois não fez nada. Tive que ser eu a encontrar o representante da marca na Europa, e, em dois e-mails, já me mandaram uma panela nova sem qualquer pedido de esclarecimento. Nem pediram a panela de volta!
Divagações de perrengues a parte, desde então (final de 2020) costumo fazer entre 15 a 20 litros de cerveja. O que deixa um bom estoque entre uma brassagem e outra. Brassagem? Pois é, no jargão cervjeiro é como chamamos o dia da produção propriamente dita. É errado dizer fazer cerveja porque ela não fica pronta em um dia, precisa ainda fermentar, maturar e etcs. Como eu gosto de dar spoilers, deixo aqui mais um, que vai ser a criação de um glossário cervejeiro ainda para essa semana. Como faço cerveja também sigo algumas páginas que são muito fortes nisso, e é impossível não mencionar de novo o Beer School aqui. Para quem quer realmente se aprofundar e fazer cerveja para competições é o melhor canal, sem dúvida. Mas somos todos pessoas diferentes, e eu, como cervejeiro caseiro, nesse momento, não quero me aprofundar muito na parte técnica. Gosto de levar a produção de cerveja de uma forma leve, sem grande controles de processo. Essa semana no Beer School eles estão fazendo um ciclo de aprofundamento em Bitters, um dos estilos tradicionais da Inglaterra. As aulas tem cerca de 2h30, mas para o nerd cervejeiro aqui são viciantes! E eu concordo muito com o Jamal na questão de ter objetivos quanto cervejeiro. E se o objetivo é se aprofundar como cervejeiro, vocês tem que seguir o canal dele. Mas somos todos diferentes, o meu objetivo agora é ser juiz do BJCP. Portanto, como cervejeiro podem me chamar de preguiçoso ou do que quiserem, mas eu faço cerveja na minha cozinha mesmo, o fermentador fica na sala ou no quarto de hóspedes, a temperatura ambiente, é o que temos. Os meus cuidados ficam mais na parte da limpeza e prevenção de contaminação, o que não é muito complicado para quem já trabalhou em ambiente laboratorial e hospitalar como eu. Mas o meu lado cientista e curioso adora ler e ver vídeos sobre os processos de produção, especialmente quando tem um enquadramento histórico, e o Jamal está fazendo isso muito bem no Beer School. E isso é muito útil como aspirante a juiz pois conhecendo os processos conseguimos sugerir alterações nas cervejas que estamos avaliando, um dos grandes objetivos do processo.
Mas, ainda tem mais uma ajuda que o “Boni cervejeiro” pode dar ao “Boni aspirante a juiz”. Conforme já mencionei em outros posts, tenho tido dificuldade de encontrar alguns estilos de cerveja. Mas consigo facilmente encontrar receitas desses estilos disponíveis na internet. Assim, posso recriar estilos que nunca experimentei. E ontem foi um desses casos. Fiz (ou melhor, tentei fazer) uma “Dark Mild Ale”, um estilo que por um detalhe não faz parte das “Historical Beers” porque quase desapareceu do mapa. “Mild” em inglês quer dizer leve, suave, moderado. E quando falamos de cerveja, esse pode ser um termo que afasta os consumidores, ou pelo menos afastava. Afasta porque as pessoas que se aventuram no mundo da cerveja querem explosão de sabor, toneladas de aroma, e uma cerveja que já tem “mild” no nome geralmente vai ter atributos diminuídos. Existe todo um contexto histórico por trás disso, mas não vou me aprofundar hoje, e vou fazer isso quando experimentar ela e estudar o estilo do BJCP. Mas, eu disse que afastava os consumidores porque hoje estamos vivenciando uma ligeira mudança na procura do mercado cervejeiro. Muitos consumidores passaram a se preocupar com o teor alcoólico, a quantidade de calorias e assim passaram a consumir cervejas mais leves ou até sem álcool visando um estilo de vida mais saudável. As "Dark Mild Ale” são uma excelente opção, uma vez que ainda devem entregar sabor, corpo e aroma com um teor alcoólico bastante reduzido (3 a 3,8%, segundo o BJCP). Agora vamos ter que esperar uns 15 dias para experimentar essa belezura e ver se os atributos atingidos realmente fazem sentido com a descrição de estilo do BJCP.
O que mais posso dizer para vocês sobre ser cervejeiro caseiro? Para mim, o dia de brassagem é sempre um dia bem passado. E sim, costuma durar o dia inteiro, é longo como esse parágrafo. Ontem, iniciei os trabalhos por volta das 11h e só consegui terminar lá pelas 18h30 (ainda fiquei esperando até às 23h para adicionar a levedura). Mas, durante o processo, temos alguns tempos de espera que nos permitem desfrutar de uma cervejinha, fazer anotações, comer e etc. Porém, a maior parte desses tempos de espera passamos lavando os utensílios que já usamos ou que ainda vamos usar. Vou tentar resumir aqui o processo com palavras simples e vocês podem conferir quase todas as etapas no reel que acabei de postar no Instagram. Então, primeira coisa seria moer o malte. O malte de cevada tem casca, e os açúcares que queremos estão dentro dessa casca. Com o malte moído, podemos facilmente acessar esse conteúdo precioso. Eu já compro ele moído. Depois, adicionamos água a uma temperatura específica para que esse açúcar se dissolva, e contamos com algumas enzimas presentes no malte para transformar os açucares em moléculas suficientemente pequenas para serem consumidas pela levedura. Esse processo leva cerca de uma hora. Depois, escoamos o líquido para outro recipiente e adicionamos mais água limpa nos grãos para garantir que removemos o máximo de açúcar possível que possa estar retido entre as cascas. Quando obtemos a quantidade almejada desse “suco de cevada”, colocamos ele para ferver. A fervura não só promove esterilidade, mas também desenvolve reações de Maillard que contribuem para o sabor e aroma. Aqui, também adicionamos o lúpulo que vai dar amargor e/ou aroma, dependendo do nosso objetivo. A fervura também costuma demorar entre uma hora a uma hora e meia. Por fim, temos que resfriar esse líquido e adicionarmos a levedura. A partir daí, é esperar. É nessa fase que estou, tenho o fermentador atrás de mim fazendo o barulhinho da fermentação que nós cervejeiros tanto gostamos. A fermentação em si, duraria apenas de 3 a 5 dias, mas a cerveja vai ficar no fermentador por cerca de 10-15 dias. Isso porque depois de fermentar, a cerveja jovem, ainda tem muitos sabores e aromas desagradáveis gerados por essa fermentação intensa dos primeiros dias. Depois disso, a própria levedura consome essas moléculas associadas aos sabores e aromas desgradáveis, e por isso, chamamos essa fase de maturação. Com essa cerveja eu vou fazer dois testes. Uma parte vou adicionar em um barril visando uma carbonatação mais baixa, como seria típico de uma cerveja inglesa. E a outra parte vou por em garrafas, e aqui o objetivo vai ser ter um pouco mais de gás, para que ela não se torne choca com o tempo de armazenamento. Espero que vocês não tenham adormecido hahaha estou muito curioso para experimentar essa cerveja. E claro, vocês serão os primeiros a saber! Até a próxima!